terça-feira, 18 de agosto de 2009

Uma gota de Goethe

Deparei hoje com este poema que já conhecia e seu conteúdo revelou-me sua magnitude . Este que permaneceu adormecido em mim, despertou agora como se recebesse um foco de luz e assim vejo sua mensagem com mais clareza, em imagens que reconheco e sinto calidamente fazendo parte de mim. O contexto dessas palavras têm a forca que pode motivar e impulsionar minhas acoes.
Que riqueza de palavras! Vou ousar traduzí-las, desintegrar essa perfeita construcao e aventurar-me a reconstruí-la mantendo-a assim viva, para que supere fronteiras, chegue mais longe e encontre você.


Eins und Alles
Im Grenzenlosen sich zu finden,
Wird gern der Einzelne verschwinden,
Da löst sich aller Überdruß;
Statt heißem Wünschen, wildem Wollen,
Statt läst'gem Fordern,
strengem Sollen
Sich aufzugeben ist Genuß.

Weltseele, komm, uns zu durchdringen!
Dann mit dem Weltgeist selbst zu ringen
Wird unsrer Kräfte Hochberuf.
Teilnehmend führen gute Geister,
Gelinde leitend, höchste Meister,
Zu dem, der alles schafft und schuf.

Und umzuschaffen das Geschaffne,
Damit sich's nicht zum Starren waffne,
Wirkt ewiges lebendiges tun.
Und was nicht war, nun will es werden
Zu reinen Sonnen, farbigen Erden,
In keinem Falle darf es ruhn.

Es soll sich regen, schaffend handeln,
Erst sich gestalten, dann verwandeln;
Nur scheinbar steht 's Momente still.
Das Ewige regt sich fort in allen:
Denn alles muß in Nichts zerfallen,
Wenn es im Sein beharren will.

Johann Wolfgang von Goethe



Um e Tudo
Para encontrar-se onde nao há fronteiras
Desaparecerá com prazer o indivíduo
Afim de livrar-se do tédio;
Em lugar de calorosos desejos, querer selvagem,
Ao invez de enfadonhas exigências, rigoroso dever
Renunciar a si mesmo é deleite.

Alma universal, venha nos permear!
entao lutar junto ao próprio espírito universal,
irá elevar nossas forcas à vocacao.
Tomando parte, bons espíritos guiam,
dirigindo suavemente os mais elevados mestres,
rumo ao que tudo cria e criou.

E transformar o que foi criado,
Para que com rigidês nao se arme,
Atua eterno o agir vital.
E o que nao foi, agora irá ser
Em puros sois, coloridas terras,
De forma alguma poderá repousar.

Tem que movimentar-se, atuar criando,
Primeiro se formando, depois transformando;
Só aparenta estar quieto por um instante.
O eterno move tudo adiante:
Pois tudo tem que desintegrar-se no nada,
Se quizer presenvar sua existência.

domingo, 16 de agosto de 2009

Os relacionamentos e o Logos



O verao diurno está se acabando para mim, assim retomo minhas atividades diante da telinha. Abro o espaco mais uma vez para o talento poético Rubem Alves que, fazendo uso da palavra, descreveu com clara imagem uma formula simples para se viver um casmento feliz.

Casamento, frescobol e tênis

Rubem Alves


Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que, os casamentos (relacionamentos) são de dois tipos: Há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol.

Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa. Explico-me.

Para começar, uma afirmação de Nietzsche com a qual concordo inteiramente.

Dizia ele: 'Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria, capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice'? Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.

Sheerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme 'O Império dos Sentidos'. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites.

O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fosse música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer.

Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: 'Eu te amo...'

Barthes advertia: 'Passada a primeira confissão, 'eu te amo' não quer dizer mais nada'. 'É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética'. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: 'Erótica é a alma '.

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola.

Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogado é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir sua 'cortada' , palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo.

Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca.

Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la.

Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha.. E ninguém fica feliz quando o outro erra, pois o que se deseja é que ninguém erre. E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...

A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras.

Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá...

Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde. Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração.

O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor...

Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente para que o jogo nunca tenha fim..


Rubem Alves é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp.

'Os limites são físicos.. As limitações são mentais'