Natal na Ilha do Nanja
Cecília Meireles
           Na Ilha do Nanja, o Natal continua a ser maravilhoso. Lá ninguém celebra o Natal como o             aniversário do Menino Jesus, mas sim como o verdadeiro dia do seu nascimento. Todos os             anos o Menino Jesus nasce, naquela data, como nascem no horizonte, todos os dias e todas             as noites, o sol e a lua e as estrelas e os planetas. Na Ilha do Nanja, as pessoas levam o             ano inteiro esperando pela chegada do Natal. Sofrem doenças, necessidades, desgostos como             se andassem sob uma chuva de flores, porque o Natal chega: e, com ele, a esperança, o             consolo, a certeza do Bem, da Justiça, do Amor. Na Ilha do Nanja, as pessoas acreditam             nessas palavras que antigamente se denominavam "substantivos próprios" e se             escreviam com letras maiúsculas. Lá, elas continuam a ser denominadas e escritas assim.
          
           Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas uma roupinha             barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de uma festa que eles             acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova, melhoram um pouco a janta, porque             nós, humanos, quase sempre associamos à alegria da alma um certo bem-estar físico,             geralmente representado por um pouco de doce e um pouco de vinho. Tudo, porém,             moderadamente, pois essa gente da Ilha do Nanja é muito sóbria.
          
           Durante o Natal, na Ilha do Nanja, ninguém ofende o seu vizinho — antes, todos se             saúdam com grande cortesia, e uns dizem e outros respondem no mesmo tom celestial:             "Boas Festas! Boas Festas!"
          
           E ninguém, pede contribuições especiais, nem abonos nem presentes — mesmo porque             se isso acontecesse, Jesus não nasceria. Como podia Jesus nascer num clima de tal             sofreguidão? Ninguém pede nada. Mas todos dão qualquer coisa, uns mais, outros menos,             porque todos se sentem felizes, e a felicidade não é pedir nem receber: a felicidade é             dar. Pode-se dar uma flor, um pintinho, um caramujo, um peixe — trata-se de uma ilha,             com praias e pescadores ! — uma cestinha de ovos, um queijo, um pote de mel... É             como se a Ilha toda fosse um presepe. Há mesmo quem dê um carneirinho, um pombo, um             verso! Foi lá que me ofereceram, certa vez, um raio de sol!
          
           Na Ilha de Nanja, passa-se o ano inteiro com o coração repleto das alegrias do Natal.             Essas alegrias só esmorecem um pouco pela Semana Santa, quando de repente se fica em             dúvida sobre a vitória das Trevas e o fim de Deus. Mas logo rompe a Aleluia, vê-se a             luz gloriosa do Céu brilhar de novo, e todos voltam para o seu trabalho a cantar, ainda             com lágrimas nos olhos.
          
           Na Ilha do Nanja é assim. Arvores de Natal não existem por lá. As crianças brincam             com. pedrinhas, areia, formigas: não sabem que há pistolas, armas nucleares, bombas de             200 megatons. Se soubessem disso, choravam. Lá também ninguém lê histórias em             quadrinhos. E tudo é muito mais maravilhoso, em sua ingenuidade. Os mortos vêm cantar             com os vivos, nas grandes festas, porque Deus imortaliza, reúne, e faz deste mundo e de             todos os outros uma coisa só.
          
           É assim que se pensa na Ilha do Nanja, onde agora se festeja o Natal.
           Texto extraído do livro “Quadrante 1”, Editora do Autor – Rio de             Janeiro, 1966, pág. 169.

 
