quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

N A O, palavra que liberta


Spitzweg, "quarta-feira de cinzas"

O carnaval passou para dar início à época da renúncia. Aqui na Alemanha é grande o número de pessoas que levam muito a sério os 40 dias da quaresma. Visando, por um lado fortalecer o eu, mas tambem perder uns quilinhos e desintoxicar o corpo, alguns optam por fazer jejuns, outros deixam a bebida para provar que ainda sao mais fortes do que ela, criancas aprendem a guardar os doces numa caixinha até a Páscoa ao invés de comê-los na hora. Outros tantos propoe-se a deixar de fumar aproveitando a forca do eu coletivo que está no ar e que diz NAO àquilo que os egos rotulam de "indispensável".

Quantas vezes você disse sim só para agradar alguem? Você comeu para nao fazer desfeita, fumou aquele baseado para se sentir enturmado, concordou para evitar discordia ou se arrependeu de ter assumido mais uma dívida? Isso tudo contrariando a voz seu eu que recomendou dizer nao e dando o braco a torcer para o seu ego, que alegando motivos indiscutíveis, fez calar a voz da sabedoría. Contudo, essa voz nao cala, está sempre presente mesmo que meu ego tente negá-la. Por isso me sinto dividida e até com vergonha e tento engendrar argumentos tirados do arco da velha para justificar tudo aquilo que permití mas que devería ter negado.

Uma das licoes mais importante sobre o NAO, aprendí no IChing. Fiz uma pergunta relativa a educacao da minha filha e o livro das mutacoes, em sua milenar sabedoria, me respondeu simplesmente que na dúvida é melhor dizer nao, pois dizendo nao cometemos menos erros.
Os próprios filhos nos ensinam o tempo todo como é importante dizer nao. Os pimpolhos, eles mesmos na fase da pirraca, sem nenhum preconceito, aprendem a dizer nao, descobrindo e exercitando limites. Para os pais fica logo bem clara a necessidade de colocar limites fazendo uso do nao, evitando que os pequenos se tornem tiranos. Conceitos pedagógicos como o de O'Neal da escola "Summerhill" onde era praticada liberdade total nos anos setenta, tambem ajudaram a conscientizar as pessoas sobre a importância pedagógica de uma disciplina clara e consequente.

Transformar uma pedra bruta numa pedra preciosa, passa por cortes precisos. Deixando a pedra rolar pelas águas, o precioso segredo que se esconde no seu interior permanecerá oculto.

Quanto mais trabalho na minha evolucao ou seja, na minha integridade, mais oportunidades se me apresentam para que eu possa dizer nao à tudo que é efêmero e passageiro. Se passo nesses testes propostos pela vida, abrem-se um dia as portas do que é eterno e passo a enxergar sob essa luz. Sob essa ótica me torno uno com a sabedoria universal passando a refletir tudo o que se apresenta aos meus sentidos com infinita clareza. As dúvidas se dissipam e o sofrimento passa a ser nao mais um castigo mas uma dádiva, um instrumento de desenvolvimento pessoal.

Optar por uma postura de positividade nao quer dizer que preciso dizer sempre sim. Tampouco significa que vou me tornar antipática e passando a dizer só nao como uma crianca pirracenta. Vivo nesse mundo das pluralidades e como qualquer pessoa, quero é ser feliz junto com todos que quero bem. Claro que é preciso fazer concessoes, mas tendo na consciência que isso na maioría das vezes nao é uma ajuda real, mas meramente uma ilusao passageira que nao contribui para a realidade do que é eterno. Muitas vezes usamos como justificativa a palavra amor que representa, geralmente e no fundo o medo de perder algo ou alguem que o nosso ego nao quer ver livre.

Precisamos da forca coletiva para dizer nao à violência, à manipulacao genética, aos abusos do políticos, à drogas, aos alimentos envenenados com químicas, à energia atômica e por aí a fora vai a lista do que precisa de naos seguros e consequentes. O objetivo? Transformar o presente para que no futuro a liberdade em seu sentido real possa se manifestar. Para participar e contribuir ativamente com esse processo, preciso valorizar o poder da renúncia e perder o medo de dizer nao!

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Se meu carro falasse...

Ele fala sim, viu?! Avisa quando precisa de gasolina ou de alguma peca nova. E nao é só isso nao, ele tráz consigo muitas histórias que eu podería contar, dos muitos lugares que visitamos, aventuras nas estradas e sobre as pessoas que viveram muitas horas em conversas, discussoes ou cantando no seu interior.
Sempre alí á disposicao de me levar aonde eu queira, me dando abrigo e carregando minhas tralhas. Meu "fiel escudeiro" da era tecnológica. Os servicos que presta sobre suas quatro rodas equivaleríam a uma caravana de muitos camelos e escravos, sem falar da velocidade e das distâncias percorridas em curto espaco de tempo que da outra forma seríam inimaginaveis. Podemos compará-lo a armadura do cavaleiro de hoje. Com ele vamos à luta e à passeio mas com conforto, somzinho estéreo e aclimatizados. Grandes avancos desde a idade média!

Mas o carro da foto nao é qualquer carro. Em mais de uma década de dedicacao ele nos levou direto para os nossos objetivos, seja á trabalho, para visitar as pessoas que amamos ou fazendo mudancas e transportes e assim tornou-se meio que parte da gente. Nossa biografia nao sería a mesma se nao fosse ele. Claro que um carro nao tem vida e é apenas feito de lata mas nós "vestimos" essa "armadura" e com isso seu interior adquire vida, tendo alguem que o conduz como eu conduzo meu corpo físico pelo mundo afora. Com isso ele acaba fazendo parte nao só de mim, mas tambem da minha família e amigos, com qualidades de um certo eu coletivo. Ligando as pessoas envolvidas, ele faz a ponte que gera uma estrutura social que me é muito cara. Dentro dessa lata tem um vazio que nós preenchemos com nossos corpos e com a nossa história pessoal. Dentro desse vazio convivemos, minhas criancas cresceran, viraram jovens, aprenderam e treinaram a capacidade de conduzir veículos. Conversas, sonhos e idéias incríveis tambem preencheram esse espaco interior. On the road aprendemos muito, seja ouvindo audio books, meditando, organizando pensamentos ou simplesmente deixando eles virem e irem.

Através dos barulhos do seu motor ele dá seus recados e de outra forma tambem pela leitura dos números que aparecem no seu painel. O rádio fala diretamente aos nossos ouvidos e tudo está de certa forma interligado e de acordo com o tempo e o espaco percorridos juntos, formamos uma parte maior ou menor do nosso destino conjunto. Dez anos interagindo, interpenetrando e estabelecendo uma unidade. Portanto, me vejo como parte desse carro ou ele como parte de mim em constante comunicacao: eu dou as ordens ele me dá as dicas que passam pelo filtro das minhas próprias interpretacoes. No último encontro com esse meu fiel escudeiro ele me falou quando fiz a leitura do seu contador de kilometragem. Nele lia-se o número 70009 que me lembrou o número da sua placa 739. Procurando entender essa sequência numérica pela ótica da lógica qualitativa sem considerar a quantitativa, o 3 passa a representar a unidade trimenbrada que passou para zero, mas nao um zero qualquer e sim um zero triplo. O zero está para o nada como o um está para o todo e ambos formam o princípio fundamental da dualidade, de tudo que possue um início e um fim. Sem querer fazer um tratado de numerologia, preciso ainda dar lugar ao sete e ao nove. Através do sete contemplamos evolucao, transformacao e o nove nos dá a idéia da missao cumprida, da meta atingida ou da perfeicao. Assim a evolucao, passando pela criacao chega a perfeicao e ao final dessa história, a evolucao transcendendo o fim, tambem completa mais um processo.

O último algarismo que vi em seu painel foi o 18 que tambem pode ser lido como nove que passa pelo oito, considerado número da sorte pelos chineses (Olimpiada de Pekim) e sagrado na tradicao crista e no meu conceito tambem. Portanto, acabei de canonizar meu carro querido e como agora virou santo, ele tambem faz milagres e como suas latas velhas nao passam mais pelo TÜF (vistoría técnica) ele resolveu investir numa armadura nova para a gente continuar na luta, ligando os pontos e sem perder o fio da meada.

Visao coletiva

À política, sei dar a devida importância, mas na verdade nunca foi meu negócio. Minha postura com relacao a política sempre foi, pode-se dizer, de aversao. A revolta contra os casos de corrupcao e o fato de todos os políticos nos quais, de alguma forma, depositei minha simpatía, sempre perderam nas eleicoes, me fez virar as costas para esse importante segmento que dá as cartas e se encontra no topo da pirâmide social. Com essa postura deixei tudo nas maos deles!

Desde que cheguei na Alemanha me sinto de fato mais participante como cidada. Procuro me informar a respeito e dar meus votos nas eleicoes e é claro que esse é o mínimo de engajamento que se pode esperar de um cidadao. Contudo, aconteceu ontem uma experiência marcante nessa minha sutil participacao política.

Há pelo menos tres anos venho me interessando pelo conceito sócio-ecomômico que aqui foi denominado "remuneracao básica incondicional" (bediengungslose Grundeinkommen). Se trata de um movimento que visa solucionar o grande problema do estado com relacao aos desempregados e a todos que vivem de ajuda social e "mamam nas tetas" do governo. Li até que no Brasil o Lula vem tentando implantar algo nesse sentido, mas voltemos ao ponto de vista daqui.

Gracas a democracia social alema, os níveis de probreza sao realmente limitados se comparados a grande parte do resto do planeta. Contudo, a queda na qualidade de vida, como era de se esperar, nao é vista com bons olhos e ninguem está disposta a abrir mao do nível conforto ao qual se acostumou nas últimas decadas. Porem, isso desfalca cada vez mais os cofres públicos, visto que o número de desempregados é crescente o que aumenta o número de pessoas carentes. O setor social e de saúde sao os que mais sentem as consequências dessa recessao. Em hospitais, e instituicoes para cuidados especiais por exemplo, poucos funcionários sao confrontados com muito trabalho por causa dos cortes nas folhas de pagamento. Por um lado o governo economiza, por outro ele paga mais. O mecado nao tem mais como absorver a mao de obra que é como que o refugo que sobrou daquilo que é considerado como optimisacao do trabalho. As pessoas que conseguiram manter seus empregos trabalhasm em geral no limite das suas capacidades o que aumenta a frequência das faltas por doencas que por outro lado sobrecarregam aqueles que ainda estao segurando a bola. Os que foram desligados da possibilidade de trabalhar, vivem dos cofres públicos no limite inferior da sociedade quase sem chances de se reerguer o que provoca ma maioria das vezes frustracao, revolta e consequentes doencas de cunho social. Outro agravante que veio recentemente abalar ainda mais esse quadro é o desequilíbrio ecomômico provocado pela "cagada" geral dos bancos internacionais. Ou seja, crise sobre crise!

Como sería a vida das pessoas que pudessem escolher em que trabalhar sem ter a pressao de ter que ganhar dinheiro?

A idéia da "remuneracao básica incondicional" prega uma remuneracao básica para cada cidadao desde o nascimento até a sua morte que seja suficiente para suprir suas necessidades básicas. Por exemplo, uma mae, com filhos pequenos, pode ficar em casa fazendo o trabalho de dona de casa e de educadora sem precisar se preocupar em como ganhar o dinheiro para o leite das criancas. O princípio visa desacoplar o trabalho dos valores monetários: o trabalho dessa mae nao pode ser considerado inferior ao de um consultor de banco que vai as suas reunioes. Mas ele é, de fato, valorizado de forma bem diferente.

Mas, como fazer para arrecadar o dinheiro a ser distribuido incondicionalmente para todos?

Eliminando todos os impostos, enxugando a máquina administrativa e criando um imposto único sobre consumo, sería possível, segundo os calculos dos iniciadores desse projeto, financiar essa remuneracao produzindo incentivos para o consumo e para a producao desses bens, fortalecendo tambem o mercado mas diminuindo as margens de lucro das indústrias. Como sao elas que mais poluem o planeta, elas bem que podem pagar por isso. Se o povo tem dinheiro, a indústria e o comércio podem vender. A concorrência faz com que vencam os melhores e isso tambem no sentido ecológico para o qual a consciência do consumidor está cada vez mais desperta.

Nao tenho a intencao de expor todo o programa, mas para deixar aqui registrado o fato que mexeu comigo ontem, foi necessário dar essa pequena introducao . Para maiores informacoes existem livros, homepages, debates, artigos em jornais e revistas, palestras. Mas pelo que sei, tudo apresentado através da língua alema.

Uma mulher simples, mae de família, revoltada com o aumento de impostos que atacaram seus bolsos, deu o primeiro passo e decidida resolveu em dezembro fazer uma peticao ao congresso pedindo para instaurarem a tal "remuneracao básica incondicional". Cada cidadao pode assinar essa peticao por via eletrônia mas o assunto só pode ser abordado no congresso caso tenham sido reunidas mais de 50.000 assinaturas. Ontem encerrou-se o prazo para as assinaturas. As 18horas nao haviam chegado ainda a esse número, contudo, antes do final do dia somaram-se mais de 53.000 assinaturas ! Foi emocionante ver como a uniao por um ideal foi unindo as pessoas que estavam sós atrás dos seus pc's mas ligadas nessa idéia. Mais do que 53.ooo pessoas olharam para um mesmo objetivo e aonde seus olhares se cruzaram surgiu como que uma estrela.

Espero que ela possa crescer para dar início e movimentar novos sistemas sócio-politicos-econômicos mais justos e apropriados para o futuro, do que os atuais que estao ruindo por todos os lados do planeta.

Quero acabar por aqui, mas nao sem deixar de incluir um link musical que há mais de 40 anos deu seu tom prófético para impulsos que aos poucos hoje comecamos a ver brotar.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Tentativa de abrir um caminho para a realidade nao-dual

Do centro para a perifería e de lá de volta para o centro. Como a respiracao e o rítmo cardíaco em seus movimentos ora em expancao, ora em contracao. Equilíbrio. Ying e Yang. Noite e dia. Nascimento e morte. Existência dual entre polaridades. A vida no mundo finito é presa a processos que se inicíam, chegam ao seu auge, viram do avesso e dao lugar ao processo contrário. Essa é a dinâmica da ilusao materialista, onde a esperanca é a última que morre mas até ela um dia tambem morre.

E aí? O que sobra dessa etapa transitória? Liberto de todos esses esquemas, sobra aquele que eu sou e que vive eternamente alem dessa realidade dual e finita. Aquele que saíu da unidade, passou pelas diferencas, multiplicidades, divisoes e somas e que chegou ao resultado dessa equacao, tornou-se igual, integro, passando pela diversidade e reencontrando a unidade na trindade.

Nao preciso morrer nem ser matemático para desvendar esse mistério. Basta acordar para ele. Tem muitos exemplos na história que ensinam a ver alem dos limites impostos pelo intelecto e a superar as fronteiras da nossa parca capacidade de agir. Despertar a consciência para essa realidade nao-dual requer colocar em prática as qualidades inerentes ao coracao ( Exupéry contando sobre o segredo da raposa revelado ao pequeno príncipe)

Assim poderei despojar-me do ego que penso ser eu, deixar de ser uma identidade isolada para me tornar uno com você e com tudo e todos para alem do tempo e do espaco. Entao cada encontro nesse novo estado de consciência, será um sacrameno que me permitirá, finalmente, amar o próximo como a mim mesmo, pois terei aprendido a licao sobre o que é de fato liberdade.